Para Herta Däubler-Gmelin, que ocupou o cargo de ministra da Justiça na
Alemanha entre 1998 e 2002, é inconcebível manter um político na
liderança do país quando suspeitas de corrupção são apontadas pela
Procuradoria-Geral. Mas isso é na Alemanha. O Brasil, segundo ela, "é
outro mundo".
Herta Däubler-Gmelin, é deputada federal há mais de 30 anos pelo Partido
Social-Democrata (SPD), e professora na Freie Universität de Berlin veio
ao Brasil participar de um debate público sobre democracia. Na visão dela, magistrados não devem se intrometer nos conflitos
políticos, pois isso compromete a neutralidade e a independência
do juiz".
Temos que pensar na democracia que queremos. Se uma democracia onde as decisões são tomadas de cima para baixo em que algumas pessoas não são consideradas cidadãs, em que o sistema judiciário é usado apenas para privilegiar ricos e poderosos, ou se queremos uma democracia participativa e que elementos precisam pertencer a essa democracia. Nesse aspecto temos bons e maus exemplos.
Herta Däubler-Gmelin veio ao Brasil participar de um debate sobre "Política x Justiça" ao lado do
ex-ministro Tarso Genro, onde coloca justiça e política em lados opostos.
Dentro desse seu pensamento, ela explica a tendência do Brasil atual
Eu ouço falar que existem muitos acontecimentos preocupantes. Sob a
perspectiva alemã, devo dizer que lá não é comum ver juízes interferirem
nas disputas políticas cotidianas. Esse comportamento é,
absolutamente, um "no go". Isso não pode acontecer de forma alguma! Isso
compromete a neutralidade do juiz, sua independência e até jurisdição.
Isso coloca também a confiança da população na instituição em cheque.
Por outro lado, nunca aconteceria na Alemanha de um presidente sob
suspeita de corrupção, com denúncia apresentada pela própria
Procuradoria-Geral da República, não renunciar imediatamente ao cargo.
Tivemos um caso notório na Alemanha que provocou a renúncia do presidente Christian
Wulff, em fevereiro de 2012. Tratava-se de 700 Euros. Mas, obviamente,
assim que o procurador-geral apresentou a denúncia, estava claro para a
opinião pública que o presidente tinha que renunciar. E foi o que ele
fez.
Mas aqui é outro mundo. Então eu posso entender a certa descrença que há
por aqui no atual desempenho do Judiciário, de alguns juízes e juízas - mas é
claro que não estamos falando de todos, também há tendências
completamente diferentes, como sabemos.
Herta Däubler-Gmelin que acompanha a atual crise política no Brasil assim se pronuncia
Os acontecimentos políticos no Brasil estão sendo noticiados pela
imprensa alemã e internacional. E depois de tudo o que vi e li nestes
últimos dias, temo que esteja havendo um retrocesso cruel com impactos
para a população mais pobre. É lamentável! O Brasil tem um sistema presidencialista e atualmente boa parte do Congresso está sendo investigada, mas os elementos que pude observar na justiça daqui nem sempre são favoráveis, pois existem possibilidades de que alguns atores influenciem e conduzam processos de maneira parcial, prejudicando a democracia participativa.
Assistimos a uma estranha parcialidade entre Judiciário e Legislativo
E nessa interação, quando também se
considera o papel do presidente, vemos até uma cegueira em relação às suspeitas de
corrupção envolvendo políticos que precisam ser investigados. Isso é
muito preocupante e não é de se admirar a queda extraordinária da
confiança nas instituições.
A corrupção parece ser um problema muito grave no Brasil. Por isso eu
apoio muito o combate à corrupção. Mas é necessária uma luta ampla, em
todas as direções, independentemente de partido. Se um presidente
governa pelos interesses de poucos poderosos e recebe um tratamento
diferente, mesmo anteriormente tendo se posicionado a favor de uma
democracia participativa e da inclusão dos mais pobres, então é uma
catástrofe.
Sobre o autoritarismo e extremismo político que se espalha pelo mundo, a sra. Herta Däubler-Gmelin, completa
Há diferentes ameaças à democracia. As correntes mais autoritárias e
conservadoras estão agora mais fortes não apenas na América Latina, mas também
na Europa. Lá também vemos uma queda significativa da confiança na
democracia, por motivos diferentes. Também há a questão do
autoritarismo, como alguns partidos na Polônia ou na Hungria, que pregam
de maneira muito forte elementos antidemocráticos e que tentam, dessa
forma, se estabilizar como um poder. Pessoalmente, não acho que isso
possa se concretizar em médio prazo.
Por outro lado, naturalmente há também problemas relacionados à
globalização que têm um efeito muito negativo sobre a democracia. Pois
muitas pessoas têm a impressão de que as decisões não acontecem mais na
política, mas no campo da economia. Então elas ficam inquietas quando
têm a sensação de que os políticos não cuidam mais de seus interesses ou
de suas necessidades.
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